Sinais de autoritarismo
Publicado em 14/03/2012 | Adel El Tasse
Jamais
poderia ter se justificado a decretação da prisão preventiva de alguém
ao fundamento de que sua defesa formula muitos requerimentos
Sempre que o discurso autoritário se faz presente, o método empregado para conseguir produzir invasão nas liberdades individuais é o mesmo, tendo como pilastra central o ataque contra aqueles que aceitam o desafio de defender pessoas acusadas.
A estratégia em questão foi fundada pela inquisição com base nos escritos de Nicolau Eymerich, que criou a suspeita de bruxaria contra o advogado que defendesse alguma mulher acusada de sua prática, de sorte que era ele também torturado. Na Alemanha nazista foram buscadas as bases teóricas da inquisição, apenas com retórica adaptada à técnica da época por Carl Smith e Edmund Mezger, habilitando a Gestapo a prender quem desejasse. Diferente não ocorreu em Guantánamo, em que, com base no chamado funcionalismo alemão, de clara inspiração inquisitorial e nazista, foi impedida a defesa de acusados submetidos a condições desumanas.
A defesa sempre incomoda pessoas de índole autoritária, pois o seu exercício representa, além da própria preservação dos direitos do acusado, a denúncia dos abusos praticados em nome de retóricas vazias, que no seu íntimo apenas objetivam assegurar os desejos de quem detém o poder.
A prisão de acusado do desvio de recursos da Assembleia Legislativa do Paraná, Abib Miguel, pela forma e fundamentos em que se deu, reacende a preocupação de que as trevas inquisitoriais, tão bem utilizadas pelos nazistas, estejam presentes no Estado brasileiro.
Não se pode prender alguém porque se encontra processado criminalmente e recebe vistas, ou porque janta em restaurantes e muito menos porque sua defesa formula requerimentos. A função da defesa de um acusado é de defender, não de coadjuvar com a acusação, devendo sim formular tantos requerimentos quantos entenda, cabe ao magistrado deferi-los ou rejeitá-los, dentro de absoluta normalidade processual.
Porém é anormal que um acusado que se encontra em liberdade, com garantia constitucional da presunção de inocência, seja em tempo integral vigiado pelo órgão acusador, com pessoas a segui-lo, a fotografar seus passos e devassar sua vida íntima. Em verdade, o que se tem aqui é claro indício de quebra da impessoalidade que deve motivar toda administração pública, inclusive o Ministério Público e em especial a magistratura.
Preocupante imaginar que possam os órgãos oficiais responsáveis pela persecução criminal guiar suas atuações por sentimentos pessoais de perseguição contra determinada pessoa, ainda que acusada dos mais brutais crimes, pois muito mais importante para a sociedade que ver o acusado condenado é ter a certeza de que as bases democráticas estão preservadas.
A condenação ou absolvição de alguém é decorrência da construção racional realizada com base nas provas e ambas as soluções atendem a sociedade se realmente forem o espelho do conjunto probatório do processo. Porém o desrespeito aos princípios democráticos, a pretexto de condenar alguém, é inaceitável, pois coloca em risco a própria existência do Estado Democrático de Direito, que é para a sociedade livre o seu bem mais precioso.
Dessa forma, jamais poderia ter se justificado a decretação da prisão preventiva de alguém ao fundamento de que sua defesa formula muitos requerimentos, pois é o mesmo que se afirmar que se está prendendo o acusado porque seu advogado trabalha.
O advogado não tem o direito de formular requerimentos, mas o dever de fazê-lo, para que cumpra sua função pública de esgotar todas as possibilidades de defesa em favor daquele que lhe confia o patrocínio da causa e seja qual for o resultado do processo deve ser elogiado, jamais utilizado o cumprimento da sua função para cercear direitos e garantias do acusado, como se transmitindo a mensagem dos inquisidores e nazistas, de que se a defesa for bem feita haverá perseguições e retaliações, pois o que se deseja é um faz de contas, em que os defensores finjam defender, o juiz finja ser imparcial e no final de tudo seja decidido conforme o desejo de quem detém e dispõe do poder.
O Judiciário brasileiro vem reiteradamente dando mostras de sua grandeza, sabendo enfrentar as situações mais polêmicas existentes e se posicionando, não em favor da retórica da opinião pública, mas da preservação dos direitos e garantias fundamentais e do Estado democrático. A prisão de um acusado porque recebeu vistas e sua defesa tem trabalhado bem é dissonante com os esforços para esclarecer a sociedade sobre a mais elevada missão da Justiça, a de salvar-nos a todos, inclusive de nós mesmos em nossos momentos de irracionalismo.
Adel El Tasse, advogado, é professor de Direito Penal. E-mail: adel@eltasse.com.br
Sempre que o discurso autoritário se faz presente, o método empregado para conseguir produzir invasão nas liberdades individuais é o mesmo, tendo como pilastra central o ataque contra aqueles que aceitam o desafio de defender pessoas acusadas.
A estratégia em questão foi fundada pela inquisição com base nos escritos de Nicolau Eymerich, que criou a suspeita de bruxaria contra o advogado que defendesse alguma mulher acusada de sua prática, de sorte que era ele também torturado. Na Alemanha nazista foram buscadas as bases teóricas da inquisição, apenas com retórica adaptada à técnica da época por Carl Smith e Edmund Mezger, habilitando a Gestapo a prender quem desejasse. Diferente não ocorreu em Guantánamo, em que, com base no chamado funcionalismo alemão, de clara inspiração inquisitorial e nazista, foi impedida a defesa de acusados submetidos a condições desumanas.
A defesa sempre incomoda pessoas de índole autoritária, pois o seu exercício representa, além da própria preservação dos direitos do acusado, a denúncia dos abusos praticados em nome de retóricas vazias, que no seu íntimo apenas objetivam assegurar os desejos de quem detém o poder.
A prisão de acusado do desvio de recursos da Assembleia Legislativa do Paraná, Abib Miguel, pela forma e fundamentos em que se deu, reacende a preocupação de que as trevas inquisitoriais, tão bem utilizadas pelos nazistas, estejam presentes no Estado brasileiro.
Não se pode prender alguém porque se encontra processado criminalmente e recebe vistas, ou porque janta em restaurantes e muito menos porque sua defesa formula requerimentos. A função da defesa de um acusado é de defender, não de coadjuvar com a acusação, devendo sim formular tantos requerimentos quantos entenda, cabe ao magistrado deferi-los ou rejeitá-los, dentro de absoluta normalidade processual.
Porém é anormal que um acusado que se encontra em liberdade, com garantia constitucional da presunção de inocência, seja em tempo integral vigiado pelo órgão acusador, com pessoas a segui-lo, a fotografar seus passos e devassar sua vida íntima. Em verdade, o que se tem aqui é claro indício de quebra da impessoalidade que deve motivar toda administração pública, inclusive o Ministério Público e em especial a magistratura.
Preocupante imaginar que possam os órgãos oficiais responsáveis pela persecução criminal guiar suas atuações por sentimentos pessoais de perseguição contra determinada pessoa, ainda que acusada dos mais brutais crimes, pois muito mais importante para a sociedade que ver o acusado condenado é ter a certeza de que as bases democráticas estão preservadas.
A condenação ou absolvição de alguém é decorrência da construção racional realizada com base nas provas e ambas as soluções atendem a sociedade se realmente forem o espelho do conjunto probatório do processo. Porém o desrespeito aos princípios democráticos, a pretexto de condenar alguém, é inaceitável, pois coloca em risco a própria existência do Estado Democrático de Direito, que é para a sociedade livre o seu bem mais precioso.
Dessa forma, jamais poderia ter se justificado a decretação da prisão preventiva de alguém ao fundamento de que sua defesa formula muitos requerimentos, pois é o mesmo que se afirmar que se está prendendo o acusado porque seu advogado trabalha.
O advogado não tem o direito de formular requerimentos, mas o dever de fazê-lo, para que cumpra sua função pública de esgotar todas as possibilidades de defesa em favor daquele que lhe confia o patrocínio da causa e seja qual for o resultado do processo deve ser elogiado, jamais utilizado o cumprimento da sua função para cercear direitos e garantias do acusado, como se transmitindo a mensagem dos inquisidores e nazistas, de que se a defesa for bem feita haverá perseguições e retaliações, pois o que se deseja é um faz de contas, em que os defensores finjam defender, o juiz finja ser imparcial e no final de tudo seja decidido conforme o desejo de quem detém e dispõe do poder.
O Judiciário brasileiro vem reiteradamente dando mostras de sua grandeza, sabendo enfrentar as situações mais polêmicas existentes e se posicionando, não em favor da retórica da opinião pública, mas da preservação dos direitos e garantias fundamentais e do Estado democrático. A prisão de um acusado porque recebeu vistas e sua defesa tem trabalhado bem é dissonante com os esforços para esclarecer a sociedade sobre a mais elevada missão da Justiça, a de salvar-nos a todos, inclusive de nós mesmos em nossos momentos de irracionalismo.
Adel El Tasse, advogado, é professor de Direito Penal. E-mail: adel@eltasse.com.br
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